Não havia escolha difícil para escritores e roteiristas: se era para fazer uma caricatura de político desonesto, oblíquo, demagogo e disparatado, a primeira escolha era materializar um personagem nordestino. Até que melhorou um pouco agora, apesar de ter sido assim por décadas.
Nas novelas é onde mais apareceram esses personagens que tinham como estética o estapafúrdio, gestos caricatos e projetos absurdos. Alguns exemplos fáceis de lembrar são Odorico Paraguassu, Artur da Tapitinga e Sinhozinho Malta. Odorico foi o vilão da novela o Bem-Amado. Corrupto e cheio de retórica vazia (outra característica presentes nos personagens caricatos nordestinos). Odorico era prefeito da Sucupira, e na trama prometeu a construção de um cemitério quando fosse eleito. Construído, ninguém morria. No fim, foi ele quem estreou a sua obra.
O também coronel Arthur da Tapitinga foi personagem da novela Tieta. Além de todos os requisitos para qualificar um vilão nordestino, o personagem era pedófilo. O último, foi vilão de Roque Santeiro. Como sempre o personagem era o coronel da cidade e fazendeiro. E caricato, com roupas extravagantes e carregado de adereços de ouro.
Só para fazer um contraponto, temos que frisar que os vilões de novelas ambientadas no Sudeste são frios e calculistas. Vamos dizer que eles são ‘racionais’. E nada de hábitos extravagantes ou trejeitos caricatos. Para ser breve, pois esse não é o assunto, temos dois exemplos de vilões racionais, o cirurgião Felipe Barreto de O Dono do Mundo e o violento Marcos de Mulheres Apaixonadas. Então, resumindo, o vilão nordestino era para rir, e o do Sudeste, para temer.
O caminho para se redimir. O caminho para a dramaturgia nacional se redimir e equilibrar a situação está quicando na nossa frente. Parece que vários políticos e personalidades públicas de hoje, que não são do nordeste, já são personagens caricatos e prontíssimos para ganhar a vida nos palcos, cinemas ou nas telas das tevês. O único trabalho seria mudar o nome e colocar no início da novela “Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência”.
Vamos pegar de exemplo governador de Santa Catarina, Jorginho de Mello (já tem até nome de personagem!) que diante do nível alto de poluição das praias catarinenses resolveu mudar os critérios de análise das águas. Não é genial? Qual roteirista não gostaria de ter um personagem que diante de índices de coliformes fecais 30 vezes acima do permitido para a balneabilidade resolve mudar os critérios de análise?
Já dá para visualizar a cena. Um prefeito provinciano de uma cidade praieira, chamado Juninho Mélo, está no seu gabinete pensativo diante do problema dos coliformes e a população de sunga e biquíni pronta para arrombar a porta da prefeitura em busca da solução.
Quando, de repente, Juninho é atingido por uma epifania. Levanta da cadeira, corre para varanda e grita para os banhistas enfurecidos “contra os coliformes, outros conformes!!!” e a massa entra em êxtase e parte correndo para as praias já não mais poluídas na cabeça deles.
A lista de personagens ogros, grotescos, burlescos surgidos nos últimos tempos na política, em cargos públicos e empresários dá e sobra para pagar a dívida que os roteiristas e dramaturgos têm para com o nordeste.