Cheguei e o evento já estava lotado. Parecia conhecer todas aquelas pessoas. Procurei uma mesa livre sem esperança de achá-la. Mas no fundo, perto da parede, uma pequena de dois lugares estava livre. Disfarçando a minha sensação de estar fora do lugar, assumi o posto e encostei as costas na parede, coloquei o braço esquerdo na cadeira e com o direito comecei a bebericar o que me serviram logo que sentei, uma batidinha de amendoim. Na nova posição me senti confortável e apto a olhar os outros, o meu esporte preferido. E seguro, porque tenho a benção de ir aos locais e não ser percebido. Pergunte para eles a razão da invisibilidade e não a mim. E não me tratem com piedade, ser invisível é um dom, ao menos para mim. Não é hora de fazer teorias ou psicologias baratas, mas de olhar para o trio à minha direita. Um careca e duas moças. Virem a cabeça comigo à esquerda e verão um senhor distinto, como se diz por aí. Não se preocupem com o resto dos presentes. Ele forma apenas uma massa desfocada. O careca é impressionante. Apesar do som alto e do blablablá generalizado rodando no salão, sua voz é uma onda que atravessa todos os obstáculos e chega até nós sem perda nenhuma.
– Sim, refiz todos os procedimentos. Mas a relação com a diretoria azedou. Tentei avisar de diversas formas o que poderia acontecer…
O careca era um prolixo com voz cristalina, o tanto que falava acabava nos tirando o interesse. Seus argumentos não chegavam a lugar nenhum. Uma das moças tentou falar algo, mas não conseguiu terminar, pois a figura passou por cima de suas palavras. Ou melhor, as ondas de sua voz passaram por cima. O atropelo ficou claro por causa do sorriso amarelo estampado na cara da moça.
– E tem mais, emendou o falante, veremos o resultado, ou a tragédia em breve.
As moças assentiram com a cabeça. Esse tipo de pessoa de fala circular tem a capacidade de nos absorver, mas consegui escapar de seu magnetismo. Quem me salvou foi a lembrança do distinto senhor. Como eu, ele estava imantado na conversa do nosso vizinho. Estávamos juntos na mesma órbita, buscando entender o falador. Durou pouco minha observação do tio, que estava tentando tirar pelos da orelha enquanto observava nosso personagem. Olhou para mim, tirou a mão da orelha e pegou e bebericou a bebida. Depois do gole, voltou seu olhar para mim e naquele átimo ficou claro o que queria dizer, “filho, é melhor voltarmos a ele”. Esfreguei as mãos no rosto, e respondi “eu não quero ir para onde eles nos podem levar”. Nossos olhares gelaram. Mas o tio me garantiu: “Eu já fui até lá. Não se preocupe, é assustador no começo, mas o medo é maior do que o acontecimento em si”. Não titubeei e respondi em cima “não é o que todos falam”. Nossos olhares deram uma pausa. O tio aceitou uns bocados oferecidos pelo garçom e bebericou mais um pouco. Eu tomei o resto da terceira batidinha que restava no copo. Era o que tinha, pois nenhum garçom me ofereceu outra coisa. Apesar da nossa rusga inicial, eu o tio não nos afastou. Ainda mastigando, seu olhar voltou para o meu. “Não perca tempo comigo. Não quebre nosso triângulo, voltemos para lá!” Sem pestanejar, obedeci. Voltei para o careca. Não estava lá. Tinha ido ao banheiro, pensei. Passei os olhos pelo salão sem olhar para o tio, não queria que ele soubesse que desmanchei nosso triângulo. No salão não achei nada nem ninguém, era um imenso borrão. Retornei à mesa do nosso amigo, nem as moças estavam. Um certo desespero bateu. Só ouvi um vidro se quebrando. Olhei em volta. Eram um dos copos que caíra de minha mesa lotada de batidinhas vazias, quase sem espaço para mais nada.
– Quebrei o triângulo, porra!, gritei.
Que triângulo, chefia?, perguntou o faxineiro carregando um saco de lixo no meio do salão vazio.