Ur-Fascismo, ou as regras para ser fascista

O fascismo eterno de Umberto Eco

“A MENTALIDADE FASCISTA É A MENTALIDADE DO ‘ZÉ NINGUÉM’, QUE É SUBJUGADO,
SEDENTO DE AUTORIDADE E, AO MESMO TEMPO, REVOLTADO.
NÃO É POR ACASO QUE TODOS OS DITADORES FASCISTAS
SÃO ORIUNDOS DO AMBIENTE REACIONÁRIO DO ‘ZÉ NINGUÉM’”.
WILHEM REICH – PSICOLOGIA DE MASSAS DO FASCISMO, 1933

Se tem um intelectual que está fazendo falta é Umberto Eco. O pensador italiano, morto em 2016, surfava com maestria em temas como memória, conspiração e comunicação de massa. Foi cirúrgico ao desenhar o homem que saiu dos bar para inundar as redes sociais com sua ignorância.

Disse ele em 2015, “as mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel”.

Essa capacidade de síntese está no pequeno livro O Fascismo Eterno. O conteúdo do livro é originário de uma palestra dada pelo autor na Universidade de Columbia em 25 de abril de 1995 para comemorar a libertação da Europa do nazismo.

Coincidentemente e desgraçadamente, no dia da palestra houve o atentado em Oklahoma organizado pela extrema-direita norte-americana. O que mostrou a atualidade do livro. Depois da palestra o artigo virou referência e foi publicado em diversos jornais e revistas pelo mundo.

Umberto Eco em sua biblioteca em Milão
Umberto Eco em sua biblioteca em Milão

O Brasil só o conheceu em 2018 quando a Editora Record publicou. Tarde demais, o país já estava infestados de pessoas com a subjetividade envenenada. Os ‘Zé Ninguém’, descrito pelo alemão Wilhem Reich, já tinham encontrado seu objeto de desejo que por ele iriam representar todas suas frustrações.

O artigo trata das grandes linhas que indicam a presença do fascismo nas sociedades. Para ele não existe um fascismo, como existiu o nazismo na Alemanha e o Franquismo na Espanha (que também traziam elementos fascistas) e, atualmente, o Bolsonarismo no Brasil. E nem todas as ditaduras são fascistas.

O fascismo é detectado por alguns aspectos comuns que se combinam entre si. Por isso ele usa o termo Ur-Fascismo que significa o ‘fascismo original. No artigo, ele elencou 14 fatos que servem como régua para detectá-lo.

  1. O culto à tradição. No caso, Eco não se refere à preservação de hábitos tradicionais, mas àquela mensagem original, “a verdade já foi anunciada uma vez para todos, e nós podemos somente continuar a interpretar a sua obscura mensagem”. Atualmente não é comum a batalha de versículos da bíblia tentando explicar todos os fenômenos sociais?
  2. O tradicionalismo implica na negação do modernista, “o Iluminismo, era da razão, é visto como início da depravação moderna. Nesse sentido, o Ur-Facismo pode ser definido como ‘irracionalismo’”, escreve Eco.
  3. O culto da ação pela ação. “Ação é bela em si mesmo, e portanto deve ser feita antes e sem qualquer tipo de reflexão”, explica o autor. Eis uma forma de anti-intelectualismo que temos visto diariamente com atos do governo do inominável que não respeitam as complexidades envolvidas.
  4. Restrição da crítica. A espírito crítico, explica Eco, significa distinção. E distinção significa desacordo. “Na cultura moderna, a comunidade científica entende o desacordo como instrumento de avanço da consciência, Para o Ur-Fascismo, o desacordo é traição”.
  5. Medo da diferença. Portanto se o desacordo (multiplicidade de visões) é um sinal de diversidade o UR-Fascismo age com medo da diferença.
  6. Frustração individual. Isso é claro quando vemos que todos os grandes líderes autoritários subiram com apoio da classe média frustrada em meio a crises econômicas.
  7. Obsessão pelo complô. A criação de um inimigo é a forma de dar uma identidade social aos indivíduos nascidos em um país. Por isso a criação de um complô que ameaça a coesão nacional é fundamental para o Ur-Fascismo. EUA e Europa são craques em criar inimigos. Qualquer grupo étnico que não seja o branco-cristão-protestante serve como aquele que ameaça a coesão da pátria. E quando não se tem um externo? Basta criar o interno. Esse inimigo que nos ameaça pode ser os grupos mais vulneráveis ou historicamente excluídos pela sociedade que serve de modelo. No Brasil, os inimigos criados foram os LGBTQIA+, os negros, índios. Em ambos casos há um inimigo comum, o comunismo
  8. Valorização da força do inimigo. O Ur-Fascismo deve mostrar que o inimigo é sempre mais forte ou rico. Portanto, os seguidores devem se sentir humilhados pelo ‘inimigo’ de forma a agir contra ele. O exemplo são os judeus que foram considerados ricos e que se ajudavam uns aos outros.
  9. A vida é uma guerra permanente. Para o Ur-Fascista a paz, o acordo e sujeição ao inimigo. A luta é constante e o inimigo será derrotado em uma grande batalha final onde a vitória os trarão o controle do mundo.
  10. O desprezo pelo fracos. Ser Ur-Fascista é antes de tudo sentir-se parte de uma elite. Seja ela uma elite popular, tais como fazer parte dos homens de bem da nação contrapostos aos vagabundos e dependentes do Estado, por exemplo. No momento em que a elite de organiza, o resto que não faz parte dela se torna desprezíveis.
  11. O heroísmo é norma. É o culto da morte. Todo o Ur-Facista tem esse desejo de morrer para justificar o heroísmo. Destaca Eco que o no final das contas, quem morre são os outros.
  12. Repressão sexual. Segundo Eco, como a guerra é permanente e ser herói o tempo inteiro é impossível, o Ur-Facista transfere sua vontade de poder para o sexo, desdenhando as mulheres (machismo) e condenando atividades sexuais consideradas não normais.
  13. Populismo qualitativo. Num sistema político os cidadão tem seus direitos individuais garantidos . Para o Ur-FAscismo, ele não existe, o que é colocado são os direitos do povo. Quem já não ouviu que um candidato foi eleito pela maioria e ela deve ser obedecida? Quantas vezes vemos uma enquete na internet determinando a discussão pois a maioria ‘aprova’ o tema?
  14. Pobreza de linguagem. Segundo Eco, a linguagem e sintaxe pobres é uma estratégia para ‘limitar os instrumentos para o raciocínio complexo e crítico”. E como se falassem em um talk-show, completa o italiano.