O livro Nas Outras Margens do Rio, de Adalberto Dantesse, se passa nas margens do Rio Tietê, que atravessa a cidade de São Paulo, e deu voz a personagens ao rio e os ribeirinhos que sempre tiveram suas histórias ignoradas durante séculos, porque, na história do Tietê, o real e os fatos se impuseram. É por isso que o rio foi ‘sumido’ da história da cidade.
Alguém deu indícios que ele seria útil para os paulistanos, e outros tantos fizeram análises sobre a vida dele, mas ninguém se atreveu a contar uma história desse ente ignorado – talvez o mais ignorado – da cidade.
O fato é que o Tietê sempre foi o que foi: um elemento que a cidade deu as costas. Não existem histórias sobre o rio. Quando é mencionado é pelos problemas que ele causa, ou como cloaca onde a cidade despeja seus dejetos.
Invisível para a cidade
E é isso que está registrado sobre ele nas teses acadêmicas e na imprensa. E as histórias que se passam no rio, onde estão? Afinal de contas, sobre o rio passam diariamente centenas de milhares de pessoas e outras dezenas de carros atravessam suas pontes e andam ao lado dele quando passam pela marginal.
O autor de Nas Outras Margens do Rio, Adalberto Dantesse, em conversa com o blog, disse que pensando no Tietê se lembrou de um trecho de Walter Benjamin onde o autor alemão destaca que os soldados que voltavam dos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, voltavam sem histórias.
Foi aí que Dantesse percebeu que essa relação também existia em São Paulo. “O rio não vai ser reinventado fisicamente, só podemos reinventá-lo na imaginação, contando histórias sobre ele”, explica o autor que isso foi fundamental para que ele começasse a imaginar um romance que se passasse nas suas margens no início do século XX, quando o rio começou a tomar a forma que tem hoje. A história tentou seguir um principio, “que o rio fosse o centro da vida das pessoas, não um apêndice da cidade”.
“Quando Amélia chegou no Club Tietê para a festa dos Reis das crianças pobres ribeirinhas, um rapaz estranho de pele muito branco e rosada pelo sol, falando um português estranho discretamente entregou a ela um bilhete. Não pode abri-lo na hora porque seu pai estava ao seu lado, foi um milagre ele não ter visto aquele ser estranho, pensou a filha do comendador.
Só foi abri-lo no meio da agitação das crianças quando todas elas abriram seus presentes e que dessa forma capturou toda a atenção dos adultos, menos a dela que se voltou para aquela mensagem “fui ainda ontem te ver no Rio (Tietê) Ver se te encontrava, mas em vão… Sim, te escreverei sempre. Me diga então, como poderá ler sempre meus escritos?”
Trecho do livro “Nas Outras Margens do Rio”
A retificação de suas margens que o Tietê passou naquela época, para o autor foi a grande transformação movida pelos paulistanos para que o rio deixasse de ser um problema. Em cada época o Tietê apresentou um ‘problema’ à cidade. Teve a dificuldade de navegação, a dificuldade de passar de uma margem para outra, da sujeira e das enchentes.
Negando as suas características, podemos dizer sua alma, o conhecimento racional dos paulistanos e seus dirigentes passou por cima das características do Tietê. A saída (racional) sempre foi ignorá-lo, e para reverter essa situação Adalberto Dantesse se propôs a contar uma história, “pelo menos uma”, ressalta o autor.
Com a história, talvez “as pessoas passem jogar uma mirada sobre rio se for contada uma mentira”, pois “as verdades sobre o rio não foram suficientes para os paulistanos”, diz o Adalberto Dantesse.
O autor de Nas Outras Margens do Rio pensa que a partir dessa mentira as pessoas possam começar a ver o rio com carinho, com um olhar humano, “‘pois nas suas margens pessoas viveram durante muitas décadas”‘.
A única liberdade para o rio, que ficou aprisionado pela racionalidade, segue o autor, que pode ser considerado um ribeirinho, pois viveu grande partes da sua vida em bairros próximo ao Tietê, só poderá vir da imaginação.